18/11/07

...e porque não Gastronomia?

Na sequência dos textos anteriores (Distrito de Bragança e Vale da Vilariça) lembrei-me de fazer um pequeno texto sobre a Alheira.

Alheira,

Alheira é uma Freguesia do concelho de Barcelos, com 8,86 Km² mas não é dessa Alheira que pretendo falar, mas sim nas famosas Alheiras enquanto enchidos.

Mas para falarmos das Alheiras temos de voltar ao início da Nacionalidade falando entre outros dos novos cristãos.

Tanto em Portugal, assim como mais tarde no Brasil, chamava-se «Cristão-novo» a um judeu convertido ao cristianismo.

Desde os alvores da nacionalidade, sempre existiram minorias étnicas e religiosas em Portugal. Judeus e mouros e, mais tarde, ciganos, constituem os contingentes mais expressivos. Os primeiros antecedem provavelmente as invasões dos segundos, tendo gozado muitas vezes de protecção e favorecimento régios, mercê das suas fortunas e actividades mercantis, e até da sua preponderância cultural. Inseridos num Portugal agro-pecuário e piscatório, dedicar-se-ão aos ofícios ou a actividades liberais (ciência, medicina, farmácia...) e gradualmente ao comércio e à finança, onde não conheciam grande concorrência.
Ao longo da Idade Média, habitaram preferencialmente – de acordo com as suas ocupações profissionais – nas maiores aglomerações urbanas do País, em bairros próprios (judiarias; mourarias no caso dos árabes ou mouros, menos numerosos), praticando o seu culto, falando o seu idioma e mantendo as suas tradições ancestrais. Diplomaticamente, mantinham fidelidade à Coroa, a ela se subordinando. À parte alguns incidentes, principalmente motivados por questões religiosas, a sua vida no Reino não correu nunca grandes riscos de ser posta em causa.
No entanto a sua classificação só apareceu no século XV durante o reinado de Manuel I de Portugal, que impôs aos judeus a conversão ou a expulsão do país e das suas colónias. A medida foi uma tentativa de homogeneizar a religião na Península Ibérica e consta do acordo de casamento entre Manuel I de Portugal e a Infanta Isabel de Aragão, à data a herdeira dos Reis Católicos.
A maioria dos cristãos novos, porém, permaneceu fiel à sua religião original (sendo assim denominados de marranos ou criptojudeus) e inventou inúmeras formas de esconder a sua convicção religiosa. As alheiras, um tipo de enchido de carne de galinha e outras aves, foram por exemplo criadas para imitar os tradicionais chouriços de carne de porco, proibida aos judeus. O falhanço da seriedade de muitas conversões levou à criação da Inquisição, que diferia em diversos aspectos da Inquisição "tradicional", em Portugal e ao estabelecimento de uma política de distinção em relação aos cristãos novos. Sob o espectro da Inquisição, nunca mais os cristãos-novos, maioritariamente judeus, tiveram no reino tranquilidade. Continuaram, clandestinamente, a fugir para os Países Baixos, Constantinopla, Norte de África, Salónica, Itália e Brasil, mantendo laços secretos e apoiando os cristãos-novos portugueses.
O Santo Ofício influirá no desaparecimento dos ofícios nas regiões de Trás-os-Montes e Beiras, onde os judeus eram os dinamizadores da produção de têxteis, sedas e lanifícios. Para além do confisco de bens, os cristãos-novos serão também vítimas dos atestados de "limpeza de sangue" nas candidaturas a cargos públicos, militares ou da Igreja, o que os afastava por possuírem confirmação inquisitorial.
Foi apenas em 1770, durante o governo do Marquês de Pombal (já em plena época das luzes) que se eliminaram as distinções entre cristãos velhos e novos.
Muitos intelectuais portugueses eram cristãos-novos e foram perseguidos por isso. Pedro Nunes, o matemático português, foi um cristão-novo. Os seus netos foram acusados pela Inquisição. As ossadas de Garcia da Orta, famoso médico português e ele também um cristão-novo, foram queimadas numa macabra cerimónia da Inquisição em Goa.

A alheira é pois um enchido típico da culinária portuguesa cujos principais ingredientes são carne e gordura de porco, carne de aves, pão, azeite, banha, alho e colorau.



Segundo a tradição, este enchido terá sido criado por cristãos-novos que, em segredo, continuavam a guardar costumes da sua renegada religião judaica, a fim de dar a entender a toda a sociedade que eram cristãos assumidos e bem integrados. Como o judaísmo proíbe o consumo da carne de porco, alguns dos supostamente recém convertidos teriam inventado um chouriço onde discretamente a carne de ave substituía a carne de porco, tradicional entre os cristãos. Desta forma, nas primeiras alheiras foram usadas várias carnes alternativas ao porco, tais como vitela, coelho, peru e galinha.
A suposta ligação da alheira com os novos cristãos talvez não passe de uma ideia romântica popular, e não há factos concludentes que a suportem. Parece mais certo que o seu aparecimento esteja ligado ao próprio ciclo de produção de fumeiros caseiros, ou simplesmente à necessidade de conservação das carnes dos diversos animais criados e para consumo próprio.
Na região de origem a norte de Portugal (Trás-os-Montes) a alheira é consumida grelhada ou assada em lume brando, acompanhada por batata cozida com um fio de azeite e legumes da época variados. Mais a sul o mais natural é encontrar os menus com a alheira frita, batatas fritas, ovo estrelado e saladas de alface e tomate. Por vezes, é também acompanhada por grelos de couve. Podem também ser fritas em azeite e servidas com legumes cozidos ou estufadas, depois de envolvidas em couve lombarda.
É uma presença habitual nas ementas dos restaurantes de todo o país.
A mais famosa das alheiras é a oriunda de Mirandela, na região de Trás-os-Montes, frequentemente considerada a de melhor qualidade.

Actualmente, as “alheiras de Mirandela”, sendo também as mais afamadas, impõem-se pela qualidade gastronómica e de fabrico, desejando-se que a garantia da sua qualidade e genuinidade passe a curto ou médio prazo pela criação de uma “região demarcada” e simultaneamente pela constituição de uma associação de fabricantes de alheiras. Contudo não é só em Mirandela que se produzem estes enchidos, sendo que também por toda a Beira Alta e Trás-os-Montes se fazem alheiras artesanais de excelente qualidade.
Apesar de não estar demarcada uma região específica para a produção das Alheiras, são as mesmas actualmente um produto certificado obrigando assim a algumas normas quer no processo de fabrico quer na distribuição.


Como fazer as Alheiras:

Ingredientes:

1 pão caseiro de (trigo) com cerca de 1 kg
200 Grs de carne de vaca de 2ª
Piripiri q.b.
150 Grs de presunto
1/2 Galinha caseira gorda
Alguns ossos de porco
1 Cabeça de alhos
1 Colher de (sopa) de colorau
1 Ramo de salsa
1 Tripa seca para enchidos
200 Grs de toucinho
Sal q.b.

Confecção:

Coza todas as carnes e os ossos de porco em água suficiente para as cobrir, (de modo a obter no final da cozedura um caldo gordo e forte) e também com os alhos descascados, o piripiri, a salsa e sal.
À medida que as carnes forem ficando cozidas, retire-as, e desfie-as muito bem; esmague a parte gorda do toucinho e desfie a carne, podendo o courato ser picado com a faca. Demolhe e lave muito bem a tripa seca. Corte o pão em fatias finas para um alguidar. Quando as carnes estiverem todas cozidas, regue o pão com o caldo quente e tape-o com um pano durante alguns minutos; depois desfaça muito bem o pão com uma colher de pau e, junte-lhe as carnes desfiadas e uma colher de (sopa) de colorau, mexendo bem; se estiver muito rijo, junte-lhe um pouco de caldo, mas pouco, pois deve obter uma espécie de açorda rija. Rectifique os temperos e encha as tripas enquanto o recheio está quente, quando frio custa a trabalhar. Vá enchendo, atando e cortando as alheiras com 15 cm de comprimento Não se esqueça de as atar bem nas pontas. Depois de prontas, convém deixá-las no fumeiro se possível, ou no frigorífico durante 1 ou 2 dias.

Muito Importante:
O caldo tem que ficar mesmo gordo; caso contrário terá que lhe juntar um pouco de banha ou azeite, o que lhe altera um pouco o sabor.

Estas quantidades dão +- para 10/12 alheiras.
Normalmente 1 liaça de tripa seca dá para 3 dúzias de alheiras.

Algumas receitas com Alheiras;

Alheiras e grelos salteados

Número pessoas: 4
Modo preparação: Lume
Tempo prep.: 40 min
Grau de diiculdade: Fácil

Ingredientes:
4 Alheiras
1 kg grelos
600 g batata(s)
1 Colher de sopa banha
1 Dente (s) de alho
Q.b. pimenta preta moída
Q.b. sal

Confecção:
Lave e coza os grelos, com sal durante 15 minutos. Coe os grelos e mantenha quentes. Coza as batatas em água e sal até que estejam macias. Em seguida descasque-as e corte-as em rodas finas. Pique as alheiras e coloque-as numa frigideira com banha e deixe fritar até dourar.
Coloque as alheiras sobre as batatas, deite os grelos a toda a volta e sirva.

Outras sugestões

No forno;

- No forno: descasque batatas e corte em rodelas bastante grossas, em quantidade suficiente para cobrir a assadeira. Coloque as alheiras em cima das batatas e leve ao forno. Não acrescente qualquer molho ou gordura! E porquê as batatas? Simples: elas vão extrair a gordura contida nas alheiras, tornando-as mais saborosas!

Na frigideira;

- Na frigideira: sem molho ou gordura. Assim, sem mais.

Como acompanhamentos, sugerimos Grelos Cozinhados e um arroz com pedaços de chouriço.

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