21/03/09

Margarina Dourada

O texto a seguir reproduzido não é da minha autoria, mas que encaixa lá isso encaixa...

Se calhar todos, mas mesmo todos sem excepção se revêem no texto.

Sugiro pois uma leitura pousada e reflectida do texto.

"Esta crise veio levantar imensas questões sobre o que somos. Quem somos. O que queremos e acima de tudo, o que querem que sejamos. No mundo dito civilizado e moderno, no qual estamos inseridos, somos levados a ter comportamentos anti naturais. Antes de sermos um ser organizados somos uma das muitas espécies de animais. Por um ou outro motivo evoluímos para seres, que julgamos ser superiores. Somos animais de hábitos e de vícios. Viciamo-nos rapidamente em qualquer coisa. Ou melhor habituamo-nos confortavelmente a determinadas coisas que apesar de supérfluas, achamos ser fundamentais á nossa vivencia. A partir desse momento somos levados a ter uma modo de vida anti natural e que sem darmos por isso somos levados á interminável procura da diferença. Por muito que respeitamos o nosso semelhante, não queremos de modo alguém ser igual a ele. Cada um de nós acha que a sua razão e maneira de estar é a certa. Será que os extras e cromados da minha mota são de todos necessários? Será que nessa personalização não procuro ser único. Mas quem me manda ser único. Não sou eu. É alguém ou algo que me faz querer pensar que essa vontade é apenas minha. Mas não o é. Desde pequeno que os nossos pais querem que sejamos os melhores. Mas para quê? Melhor para ter um bom emprego? Para quê? Para ter a certeza de que terei sempre sustento? Não obrigam os pais que todos tenhamos um curso para acima de tudo poder dizer “o meu filho é doutor em XPTO”, quando sabemos que para metade dos cursos não há saída profissional e para a outra metade, metade tem como única saída a via ensino. Engrossando erradamente, não a lista de professores sem emprego, mas a lista de pessoas cuja única saída era dar aulas, ainda que tal (lá pró 12º anos) nunca lhe tinha passado pela cabeça. A culpa foi dos pais? Ou será da sociedade de consumo e de competitividade forçada que esta nossa sociedade se tornou. Do que precisamos para sermos felizes? Será que precisamos de 10 espécies de margarinas diferentes? Com sal, sem sal, meio sal, anti colesterol, etc… Em minha casa tenho uma margarina Dourada. A dita tem um sabor melhor. Mas porque não lhe chamaram de margarina saborosa? Porque tinham de lhe chamar “Dourada”. Simples. O nome procura dentro de cada um de nós a necessidade de sermos diferentes, mas para melhor. Então aquilo que não passa de uma margarina feita sabe Deus como, é um produto de prestigio e á nossa mesa temos para barrar o pão, um produto de prestigio. Uma simples, mas prestigiosa margarina. O pão. Será que o mundo precisa de 30 espécies diferentes Com cereais, com fibras, sem sal, tipo alemão, etc… Mais uma vez alguém quer que sejamos diferentes e dão-nos a “liberdade” de escolha.

70% da população dos países modernos e civilizados é obesa. Sou um deles. A razão? Somos sedentários, temos um metabolismo assim, assado… Os nossos vizinhos do continente mais abaixo, que á escala cósmica, estão mesmo encostados a nós, não tem problemas de metabolismo. Para muitos deles, um pouco de farinha e água de qualidade duvidosa, é o necessário para fazer um bolo que lhes traria a maior das felicidades, mas que a nós nos traria apenas repugnância. Os telemóveis são uma clara demonstração de que não somos donos da nossa própria vontade, ainda que é feito de tal modo que pareça ser. Quando o Iphone foi colocado á venda, no 1º dia, houve quem estivesse horas a fio numa fila, para ás tantas da madrugada de uma dia de trabalho, ser dos 1ºs a ter um Iphone. Uma vitória ridícula, dado que 3 dias depois esses Primeiros possuidores daquele objecto de prestigio, já não o eram (de pouco valia ter sido dos primeiros). Mas o mais ridículo, é pagar-se uma fortuna (mais do que muitos ganham num mês) para ter um telemóvel com 40 funções, mas que das quais só sabemos utilizar 3 ou 4. Esta crise traz ao de cima o que de verdadeiramente importante é necessário. Ter um lar, ter alimento e segurança física. Com a crise a chegar (a verdadeira ainda não chegou á base que somos nós) vai a seu tempo impedir de termos aquilo que (pensamos nós) faz de cada um de nós diferente e melhor que o próximo. Procuramos sempre e sempre e fazemos sacrifícios desmesurados para num conjunto de coisas sermos únicos – “Ninguém tem uma mota exactamente igual á minha, um telemóvel como o meu, as calças de marca X, as sapatinhas de marca Y, até uma margarina Dourada para barrar o meu pão biológico, com o meu leite pró cálcio e o meu café que também ele tem uma tampa dourada. Esta do leite pró cálcio é o cúmulo da procura da diferença. É quase como ter-se uma mota pró rodas, ou um vinho pró vermelho, ou gasolina pró explosão. Gasolina. Piada. Existem umas 3 ou 4 gasolinas diferentes. PARA QUÊ? Para que eu (pessoa melhor do que tu) possa gastar mais dinheiro (porque tenho mais do que tu) numa gasolina especial (que tu não podes pagar) para colocar na minha mota única (cuja única pessoa admira, na verdade sou eu), ainda que faça a seguir a mesmíssima coisa que tu (andar na mesma estrada e apanhar os mesmo buracos).

Esta procura da individualidade é tão ridícula, que sabendo que tendo tudo em consideração, sou único e melhor que qualquer um de vós, mas o único que sabe e “aprecia” essa característica…sou eu. Qualquer um de vós está-se a marimbar para “o bom que eu sou”, assim como eu não ligo a mínima para o bom que cada um de vós (pensa que) é.

Crise. O que é a crise? Deixar de poder comprar uma serie de coisas de que na realidade não preciso? Imaginemos que deixa de haver gasolina, electricidade, comida nos super mercados (para a sociedade moderna e dita civilizada, os alimentos vêm dos supermercados). Vamos imaginar essa situação durante um mês. Passamos frio, fome e medo (porque aí vale tudo). Ao fim de um mês, temos uma casa com apenas o necessário. Uma única espécie de água, de pão, de margarina, de leite, etc. Naquele momento encontramos a felicidade, naquilo que desprezávamos e achávamos que era apenas para aquele “inferior” que não tinha escolha. Naquele momento até desejamos que nada mude, porque afinal para ser-se feliz é preciso muito pouco. Afinal já não precisamos de 10 espécies de margarinas diferentes.

Assim que acabei de ter pensamento, cheguei a casa, peguei em duas fatias de pão com cereais nas quais barrei a margarina dourada. Gostei. Foi bastante saboroso. Afinal sou como qualquer um. Mas pelo menos tenho consciência disso."
Autor: António Barbosa

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